O Povo Suruí e o Instituto Amazônia+21 iniciaram uma parceria inédita e capaz de melhorar o ambiente para os negócios sustentáveis com estratégia ESG na Amazônia. Os entendimentos começaram a acontecer com o convite do cacique Almir Suruí ao presidente do IAMZ+21, Marcelo Thomé, para visitar a aldeia Lapetanha, localizada na Terra Indígena 7 de setembro, em Cacoal, Rondônia.
Almir Suruí, cacique-geral do povo indígena Paiter Suruí, é reconhecido no Brasil e no exterior como um ativista ambiental e defensor da inclusão econômica das comunidades tradicionais amazônicas, que oferece o trabalho realizado em sua própria aldeia como referência de atividade produtiva sustentável dentro da floresta, o que o Instituto Amazônia+21 identifica como essência de cada letra da sigla ESG – Enviromental, Social and Governance, no inglês – ou ASG – Ambiental, Social e Governança, no português. “Quando olhamos para a experiência dos povos da floresta, especialmente de quem já tem o nível de articulação dos Suruí, vemos de imediato os valores ambientais e sociais do conceito ESG, mas também precisamos perceber o impacto que isso tem para a boa governança dos negócios sustentáveis”, sustenta Marcelo Thomé.
A percepção holística de mundo e convivência multicultural, destaca o cacique Almir Suruí, podem promover as parcerias certas que venham contribuir para a conservação do bioma amazônico, com ganhos econômicos e mais qualidade de vida para quem mora na floresta, desde que assegurem o protagonismo das comunidades locais. Esse pensamento é o que orientou o convite do cacique ao Instituto Amazônia+21 e à Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO). “A gente quer que o mercado valorize nosso esforço como indígenas, por isso que a gente convida empresários para visitar nossa aldeia e falar de negócios, porque a gente precisa se aproximar e entender um ao outro, conhecer os desafios e os avanços, ver onde nós podemos andar juntos, valorizar nossos conhecimentos e conservar a floresta”, afirma Almir Suruí.
Trilha de oportunidades
Marcelo Thomé visitou a aldeia Lapetanha no último dia 23 de março. Ele foi acompanhado por equipes de trabalho do INSTITUTO AMAZÔNIA+21 e da FIERO. “Estamos aqui para entender de que maneira podemos trabalhar com o Povo Suruí, ouvir o que eles desejam, o que produzem, o que enxergam como potencial e assim buscar parcerias em negócios sustentáveis, na bioeconomia, mesmo porque a inclusão das comunidades tradicionais é um fator fundamental na estratégia ESG”, afiema Thomé. “O povo Suruí tem uma história incrível de superação e também de iniciativa empreendedora, muito significativa mesmo, já desenvolvem uma série de atividades, e na medida em que a gente consiga apoiá-los, podemos construir aqui uma nova história de respeito e reconhecimento de valores entre os povos originários e os setores produtivos de Rondônia e do Brasil”, complementa.

A visita começou pelo projeto local de agrofloresta, onde a comunidade trabalha desde 2005 com 32 espécies de plantas nativas em uma área de cultivo onde já plantaram aproximadamente 1 milhão de mudas produzidas de forma sustentável.
“Aqueles que querem recuperar suas nascentes, plantem plantas que vão produzir depois, e apoiar economicamente também”, ensina o cacique Almir.
A atividade turística é a primeira sinalização de empreendedorismo dos Suruí. Na entrada do povoamento principal da Aldeia Lapatenha, uma bem cuidada pousada de arquitetura com inspiração nativa oferece acomodação com ar-condicionado, lojinha de venda de artesanatos e um restaurante de iguarias e receitas indígenas, que vão peixes diversos até deliciosos doces de frutas da época.

Partindo da pousada, a trilha pela floresta logo revela uma atividade entre aquelas trabalhadas pelos Surui pelo método ILPF (Integração Lavoura, Pecuária e Floresta), que consorcia diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Neste campo de café à sobra da floresta, os Suruí cultivam a espécie robusta amazônico, com uma boa produção que mantém um negócio com a indústria Três Corações, que a comercializa sob o rótulo gourmet “Rituais”, “Projeto Tribos”.

A qualidade do café Suruí é defendida com orgulho pela barista Celeste Paytxayeb Saruí, ela própria um orgulho do seu povo por ser a primeira mulher indígena formada barista no Brasil. “Certa vez fui ver uma degustação onde ofereciam o nosso café, mas achei que ele era apresentado igual a outros, sem agregar nossa identidade, nossa cultura e a técnica de produção que lhe confere personalidade e sabor diferenciado, então procurei estudar e me formei a primeira barista indígena”, conta Celeste.
Seguindo a trilha, à medida que a floresta se torna mais densa, é possível contemplar belas castanheiras de diversos tamanhos, algumas majestosas. Esse castanhal avança na mata e as árvores mais altas, vistas à distância, atestam o inventário de 800 pés de castanheiras, com produção aproximada de 80 toneladas de castanhas e selo FSC – certificação internacional de produtos que garante a boa origem de produtos florestais. Contraditoriamente, esta produção de castanha não está gerando um negócio para os Suruí, mesmo sendo um produto de grande aceitação e mercado estruturado, inclusive para exportação. Aqui o Instituto Amazônia+21 identifica uma oportunidade a ser estruturada, com retorno imediato para os Suruí.
A trilha percorrida em cerca de três horas permitiu a visualização de potencial para negócios sustentáveis em áreas diversas e complementares, como turismo, cultura de cacau, banana, castanha e babaçu, piscicultura, regeneração de floresta e carbono. De forma especial, a visita de trabalho com os suruís quanto se tem a ganhar na colaboração entre comunidades e empresas, pois o conhecimento de realidades e culturas amazônicas pode fazer a diferença na consolidação da estratégia ESG na região. Um bom indicativo dessas lições se quando visitantes se apressavam para fugir de um iminente ataque maribondos, então o txaí Arildo pediu silêncio e orientou: “fiquem parados, maribondo persegue quem corre”. Assim a trilha foi concluída sem maiores traumas e no passo certo.

Parcerias imediatas e duradoras
O cacique Almir Suruí foi convidado para falar da visão de sustentabilidade dos povos tradicionais da Amazônia na próxima reunião do Conselho Estratégico do Instituto Amazônia+21, que será realizada em São Paulo, em data a ser confirmada no mês de março, com participação de empresas associadas como White Solder, Coca-Cola Brasil, Grupo Ultra, Santo Antônio Energia, Jirau Energia, Energisa, Fundação Jari, Fundação Mathias Machline e ABDI, além de outros parceiros e da própria Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Essa ação junto ao Conselho do Instituto Amazônia+21 foi uma das decisões tomadas na reunião realizada na oca da Aldeia Lapetanha, com o cacique Almir Suruí e outras 12 lideranças do povo Suruí, e Marcelo Thomé, dirigentes e técnicos do instituto e da FIERO. Um protocolo de colaboração foi elaborado, prevendo ações objetivas que devem evoluir para uma parceria formal entre as partes.

Uma das medidas práticas e imediatas diz respeito aos programas de Educação SESI-SENAI, com representantes presentes. Ficou acordada a aplicação, na aldeia, de cursos técnicos em mecânica de motores, instalação elétrica, sistemas hidráulicos, manutenção de máquinas, boas práticas de beneficiamento de matérias-primas, processamento de alimentos, melhorias de cultivos, segurança do trabalho, embalagens e fomento de mercado e vendas. Houve uma solicitação especial das lideranças indígenas por educação de jovens e adultos, que será trabalhada pelo SESI.
No sentido mais amplo da parceira, o INSTITUTO AMAZÔNIA+21 atuará propondo com modelos de governança integrada, planos de desenvolvimento e processos para alavancagem e verticalização de oportunidades, com estruturação de ecossistemas ESG. “Aprendizado e colaboração norteiam essa parceria com o Povo Suruí. A gente pode apoiar a aldeia em ações práticas e imediatas, atender demandas importantes de educação, mas temos algo maior acontecendo aqui, e isso diz respeito ao valor do trabalho nas culturas tradicionais e dos meios de produção que a floresta oferece”. Thomé ressalta q ue “não basta incluir as comunidades amazônicas nos nossos negócios, é preciso incluí-las respeitando suas culturas a perspectivas. Essa é a história nova que a gente pode construir juntos, sabendo conciliar valores ancestrais com novas tecnologias. É construir uma experiência que sirva aos Suruís e ao melhoramento dos nossos negócios, criando inovações sustentáveis que possam servir a outras comunidades e empresas para o desafio da bioeconomia, da economia verde e da conservação da Amazônia”, finaliza Thomé.
“A gente ainda pode caminhar juntos pela Amazônia e deixar esta casa em pé para os nossos netos e as gerações que virão deles”, afirma esperançoso o cacique Almir Suruí.
O Povo Paiter Suruí
Até o ano de 1969 o povo Paiter Suruí viveu isolado. O contato com os brancos foi traumático. Uma população inicialmente estimada em 5 mil indivíduos, quase foi extinta e chegou a contar apenas 250 indivíduos remanescentes. Foi então que iniciou um heroico processo de recuperação da etnia, que hoje conta com cerca de 1700 pessoas.
Outra conquista foi a demarcação da Terra Indígena Paiter Suruí, com 248 mil hectares, entre os estados de Rondônia e Mato Grosso, onde vivem em 30 aldeias, sendo a Lapatenha, próxima a Cacoal, uma das mais antigas e populosas.
O cacique-geral Almir Suruí comunica que outra importante conquista para afirmação da cultura do seu povo está em fase de formalização. É a Universidade Paiter Suruí, que está sendo implantada com a estruturação de dois cursos: um direcionado para a língua Tupi, de conhecimento tradicional Paiter, e outro intercultural, de conhecimento filosófico indígena. “A Unicamp é nossa parceira e vai certificar nossa pós-graduação sobre política sustentável e conhecimento indígena”, anuncia o cacique.
